D’Kebrada

“Meu nome é Bruna Stephani Borges tenho 29 anos, mais conhecida como a D’kebrada. Sou Assistente social e empreendedora.

 

Me lembro de muito pequena, junto aos meus irmãos e minha mãe, com pouco para viver, morávamos num barraco de lona no assentamento dos sem-terra. A prefeitura de Birigui inaugurou um bairro chamado João Crevelaro, uma das periferias aqui da cidade, e conseguimos uma casa do Programa do Governo Minha Casa Minha vida, para morar. Tive uma mãe solteira que cuidava de três filhos, e que trabalhava muito para conseguir o pouco que nos sustentava, ela fazia de tudo para que nós não passássemos fome, mas passei vontade de muita coisa. Lembro-me de tudo ser muito escasso, sempre precisávamos de assistência, para minha mãe conseguir trabalhar, metade do dia ficávamos na escola e a outra metade ficávamos com os vizinhos. Morando numa quebrada eu conheci pessoas, vi coisas de todas as formas, vi pessoas usando droga do lado da minha casa, jovens vivendo do tráfico, memórias que não se apagam facilmente, crimes, morte, violência, tudo de ruim que você possa imaginar. Eu sempre fui incentivada pela minha mãe a estudar para ter um futuro melhor que o dela, com 8 anos eu ganhei o concurso de poesia da minha escola. Quando eu tinha apenas 16 anos, minha mãe veio a óbito, ela tinha apenas 32 anos, deixou eu e meus irmãos. Minha irmã mais velha, foi morar com o namorado e meu irmão foi morar com o pai dele, que não era meu pai. A única pessoa que eu tinha no mundo era minha vó, mas ela morava em Campinas e como eu já trabalhava numa rede nacional como jovem aprendiz, resolvi tocar minha vida, alugar uma casa e morar sozinha.

 

Eu já sabia dentro de mim, o que era certo e o que era errado, meus valores me moviam por um sonho maior, o sonho de fazer algo diferente ser diferente, minha motivação era a lembrança de minha mãe falando que ela sabia que eu seria alguém na vida e ela falava isso com um semblante triste, pois sabia das dificuldades que passávamos. Busquei por quatro vezes fazer uma faculdade, mas meu salário não suportava mensalidade e aluguel. Por dois anos eu me dediquei aos estudos para pontuar bem no Enem e conseguir vaga em uma faculdade pública. Neste meio tempo, tive um problema de saúde grave, muita gente não acreditava numa melhora, mas comecei um tratamento e neste meio tempo recebi a proposta de trabalhar como deficiente física na Unimed Birigui. Esse trabalho me fez despertar para novos sonhos, me mostrando que tinha muitas coisas para viver, inclusive, meu primeiro contato com o Sicredi, foi por conta da Unimed e nesta época, surgiu a oportunidade de participar de um evento de jovens, foi quando topei o desafio de ser membro fundador do Comitê Jovem da Sicredi Alta Noroeste SP.

 

Comecei a Faculdade de Serviço Social, pois acreditava numa mudança da sociedade, queria usar minha história como exemplo de vida para a comunidade, pessoas que estavam com dificuldades e problemas, mostrar que elas não precisam estar sozinhas, que tem pessoas para ajudá-las. Era interessante, pois nos eventos e reuniões do Sicredi que pude participar, também havia uma preocupação social e com algo muito importante pra mim, minha história, isso provava que eu estava caminhando junto aos valores que construí. Os estágios da faculdade começaram, eu já não estava mais trabalhando na Unimed. O desafio da disciplina de estágio foi desenvolver o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), um projeto social dentro de uma comunidade carente. Estudei muito para iniciar então, o Projeto D’kebrada, o nome dado, foi pensado para que ficasse evidente que era um projeto para a quebrada mesmo e o objetivo inicial era valorizar a beleza dentro da comunidade. O D’kebrada é um projeto sem fim lucrativos, para meninas e meninos dos bairros mais periféricos de Birigui. Elaborei em um espaço de beleza na garagem da minha casa, em quatro metros quadrados, para atender pessoas que tinham vontade, mas não tinham oportunidade de ir a um salão de beleza. No espaço comecei a fazer sobrancelhas de henna, corte de cabelo, tranças e mais que tudo isso, eu conheci pessoas e histórias de vida.  Ainda durante o estágio, eu atendi mais de três mil pessoas no projeto, muitas delas me mostravam o quanto tive sorte na vida.

 

Quando a pandemia chegou, eu não conseguia mais arcar com os custos do projeto sozinha, pois em tudo eu faço, me dedico muito, estava ficando caro atender gratuitamente as pessoas. Eu investia em cursos para atender profissionalmente a comunidade, investia mesmo no projeto, mas tive que anunciar nas redes sociais que eu teria que parar. Para minha surpresa, a comunidade se mobilizou e começaram a pedir que eu não desistisse do projeto, que começasse a cobrar um valor simbólico para mantê-lo. Foi assim que surgiu o Espaço D’kebrada, um espaço de beleza da comunidade de Birigui. Quando consegui me organizar, comecei a ministrar cursos gratuitos para meninas que queriam começar a empreender na área da beleza. Mas como nem tudo são flores, e meu espaço ficava em uma garagem aberta, vez ou outra a chuva vinha e eu perdia muitos materiais. Várias vezes pensei em desistir de tudo, as provações eram muito grandes, em uma dessas situações, o temporal foi tão intenso, que perdi todos meus materiais, vários quadros com meus certificados quebraram, se não fosse a fé que eu tenho em Deus, eu jamais teria levantado minha cabeça.

 

Eu acredito nas pessoas e sinto que elas acreditam em mim, por isso, voltei ao trabalho e desde então, muitas coisas boas vem acontecendo. Em junho de 2022, participei com o Sicredi a do Dia de Cooperar na Praça, eu convidei as meninas que fizeram meus cursos e pudemos mostrar nosso trabalho para mais pessoas, atendemos neste dia mais de 500crianças e adultos, fazendo tranças, sobrancelha, pintura facial e corte de cabelo. Em outubro de 2022, realizei um Workshop gratuito com o apoio do Sicredi, formando 50 novas empreendedoras. Começamos na sexta-feira a noite com o conteúdo teórico, no sábado o Sicredi fez uma oficina de educação financeira e no restante do dia foi aula prática. Todas essas meninas já estão trabalhando e fazendo sua renda. Tenho recebido cada vez mais pessoas em meu espaço desde então, até mesmo pessoas que não são da periferia, o que me ajuda a ter oportunidade de ofertar mais cursos gratuitos.

 

Aos poucos, os sonhos estão virando realidade, me formei em 2022, tenho orgulho de dizer que sou empreendedora e Assistente Social. E não para por aí, em janeiro deste ano, consegui alugar um prédio maior, separado da minha casa, uma grande realização para quem veio do pouco. No novo espaço, dei oportunidade de trabalho para 5 mulheres e 1 homem e juntos, que hoje formam a família D’kebrada. Já tenho planos para formar mais pessoas este ano, o projeto não pode parar!

 

Eu sou uma pessoa simples, com sonhos grandes, se eu cheguei até aqui eu posso chegar a qualquer lugar.”